Saturday, April 05, 2008

Efeito Borboleta

Naquele momento vi imediatamente que ele tinha uma coisa muito especial, algo insondavelmente mágico e encantador. Percebi que estava olhando para mim, que de certo modo havia me escolhido entre todos os passageiros que se acotovelavam no trem, e no decorrer de um único segundo, foi como se nós dois tivéssemos firmado uma espécie de aliança secreta.

Como num passe de mágica, ele já havia se interposto entre mim e o mundo. De súbito, o mundo ficou incrivelmente pequeno e tudo passou a ter sentido. Mesmo assim, recordo que, no breve trajeto do trem, tive certeza absoluta de que nunca mais esqueceria aquele garoto. Não sabia quem era nem como se chamava, mas bastou um olhar, o primeiro olhar, para que ele passasse a ter um poder incrível sobre mim.

Ele veio em minha direção, aproximou-se e se deteve diante de mim. Ficamos alguns segundos calados, entreolhando-nos. Ele não mostrou nenhuma pressa em entabular conversa. Passou muito tempo me olhando, um minuto inteiro sem tirar os olhos dos meus. E eu queria olhar pra ele, apenas olhar pra ele, reter aquele momento e saborear a presença do inexplicável.

Agora o trem para, as portas se abrem, ele tem que ir. Numa fração de segundos, tudo acontece. Eu faço um sinal desconcertada, que me parece quase sobrenatural e agoniada pergunto: - Quando a gente se encontra outra vez? Ele olha fixamente para o chão antes de erguer os olhos e me fitar. Suas pupilas dançam inquietas, tenho a impressão de que seus lábios estão trêmulos. Com muito cuidado ele acaricia o meu cabelo, pousa a mão na fivela de prata em minha nuca e então diz: - Quanto tempo você consegue esperar?

Se eu dissesse “dois ou três dias”, eu me mostraria impaciente demais. E, se “a vida inteira”, ele podia pensar que eu não o amava tanto assim ou talvez não fosse sincera. De modo que encontrei uma resposta intermediária e disse: - Agüento esperar até que meu coração comece a sangrar de aflição. Ele sorri inseguro. Então roça o dedo em meus lábios. E pergunta: - Quanto tempo isso demora? Desesperada eu sacudo a cabeça e resolvo dizer a verdade: - Cinco minutos talvez.

Antes das portas se fecharem ele me rouba um cálido beijo e o trem volta a se por em movimento. Ele sorri com um calor mediterrâneo do outro lado da janela, enquanto eu entro em desespero e o vejo desaparecer até virar um pontinho...

Notei que eu estava com lágrimas nos olhos. Não eram lágrimas doces, se é que isso existe, eram lágrimas amargas e pegajosas, lágrimas que em vez de escorrer, ficavam grudadas nas comissuras dos olhos e ardiam. Aflita, abri meu livro novo livro de poesia e eis que na página 50, leio:

“Quem não vive agora não vive nunca.
O que você está fazendo agora?”
(Piet Hein.)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Nossa, que tensão e no meio do cotidiano.

E o final realmente com tom amargo, pois nunca mais será assim...

Aaaa, não sei me expressar.

8:23 pm  

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