Saturday, July 01, 2006

Ser ou Parecer

Quando nos encontramos em um ambiente desconhecido, nos sentimos desconfortáveis. Não sabemos o que esperar dele ou onde encontrar o que desejamos, é estranho não fazer parte do contexto. Observamos detalhes, fazemos associações de acordo com nossos repertórios e referências inferindo certas conclusões, logo formamos uma espécie de esquema simplificado, que nos poupará futuramente de novas análises. Mapear o que nos circunda é talvez uma das práticas mais remotas do homem, nossos ancestrais não desfrutavam das benesses tecnológicas e a cada novo espaço enfrentado, era necessário mapear rapidamente as zonas de perigo das zonas de conforto, separar as zonas áridas das úmidas, zonas hostis das habitáveis, para assim estabelecer seu espaço, estudando as diversas possibilidades de lidar com ele.

As idéias se tornam automáticas a cada mapeamento, são tantas coisas para se pensar e fazer que inevitavelmente acabamos optando por atalhos. A fórmula substitui a forma e então fazemos muitas coisas sem pensar, a princípio é prático, mas a longo prazo provoca uma dormência do ser, uma certa anestesia dos sentidos, gerando por sua vez hábitos, rotinas e paradigmas.

É tão cômoda esta zona de conforto e estabilidade, onde já se sabe como tudo funciona e onde tudo fica. E a cada novo ambiente é isso o que você procura; sua zona de conforto. Tudo o que lhe parece familiar será mais tangível e fácil de lidar e então você acaba fazendo uma coleção de tudo o que te apatece. O que não convém é automaticamente excluído e superficialmente nomeado. Você se coloca no centro de suas escolhas, apontando o que convém do que não convém, o que é bom do que é mal. Você passa a ver o mundo conforme sua imagem e semelhança, o autocentrismo é incorporado e a alteridade é repelida.

O mesmo ocorre em nossas relações inter-pessoais. Estamos tão acostumados a selecionar! Selecionamos o que ouvimos, o que lemos, o que falamos, selecionamos produtos, selecionamos nosso consumo, tudo para atender sempre nossos interesses da melhor maneira possível. E fazemos o mesmo com as pessoas! Não só como um atalho para agilizar o mapeamento, rotular as pessoas é muitas vezes um meio para justificar nosso desinteresse pelo outro, camuflar nosso medo, reforçar nossa aversão; invalidando o outro como indivíduo. Rotular as pessoas é um mecanismo de auto-defesa, um escapismo que nos refugia da realidade.

A grande questão é que todos procuramos uma identidade, todos temos a necessidade de auto-afirmação. Encontramos na pós-modernidade, um mundo fragmentado onde há diversidade, onde as possibilidades são muitas e tudo gira em torno do consumo. Você não precisa ser algo e sim parecer algo. É fácil, basta imprimir ou comprar sua identidade, hoje em dia ela vêm de fora para dentro, a multi-faceticidade tomou conta do mundo moderno e você pode ser o que quiser e agir como quiser. Você se veste com o estilo que quiser, usa o vocabulário que quiser, lê os livros que quiser, a liberdade é total e sem referenciais dentro de si, os jovens seguem modismos, seguem os amigos e a mídia, tudo para serem aceitos e reconhecidos, para se sentirem parte de um corpo que o aceita como membro, já que o principal não é ser, mas parecer! Assim formam-se os estereótipos que de maneira caricatural carregam consigo características simplificadas.

Reconhecer que todos buscamos a auto-afirmação de nossas identidades é fundamental; Recorrer à atalhos para aderir uma personalidade ou para rotular pessoas é um meio extremamente superficial. Todos somos instáveis e mutáveis, é necessário estar aberto ao novo e encará-lo de maneira receptiva sem aglutinar idéias pré-concebidas. A identidade nasce de dentro para fora e não de fora para dentro, como vemos hoje em dia. Ser inteligente e se esforçar para ser bonitinho ou ser bonitinho e se esforçar para ser inteligente é questão de escolha. Já estilo é conseqüência do que somos por dentro.

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